terça-feira, 8 de março de 2011

Mulheres: Luta, Coração e Vida

Hoje é dia Internacional da Mulher. Poderia partilhar a minha experiência com as três mulheres da minha: mãe, esposa e filha. Porém, não quero correr o risco de personalizar demasiado esta reflexão. E assim, em jeito de homenagem, mas sobretudo de memória, quero lembrar aqui outras três mulheres que são símbolo de um tripé essencial: Luta, Coração e Vida. Com elas vou cruzar mais outros tantos nomes de Mulher que mereceriam, igualmente, ser aqui recordadas. Viajo, para isso, até ao meu lugar no outro lado do Oceano: a nação nordestina.

Com a primeira dessas mulheres, aprendi a frase “É melhor morrer na luta do que morrer de fome”. Não a conheci. Quando estive pela primeira vez no Brasil, já tinha passado mais de uma década sobre a sua morte, melhor dizendo, sobre o seu martírio. Chamava-se Margarida Alves, era nordestina de Alagoa Grande, na Paraíba. A sua história, assim que a ouvi, tocou-me profundamente. Trabalhadora rural, sindicalista, lutava por justiça e pela melhoria de condições de vida dos camponeses. Por essa luta, menosprezada pela ditadura militar, acabou perdendo a vida, assassinada com um tiro, na presença do seu único filho de 10 anos de idade. Corria o ano de 1983.

Imediatamente aquele acontecimento me transportou até ao meu Alentejo natal, onde uma história semelhante tinha ocorrido no tempo da ditadura de Salazar. Foi outra mulher, chamava-se Catarina Eufémia e, trabalhadora rural de Baleizão, tinha sido também morta a tiro, na frente dos seus filhos de tenra idade. A história de Catarina povoava o meu imaginário de infância e ajudou-me a perceber o que era a injustiça, daí que a vida e morte de Margarida Alves me tenha levado a unir, pela primeira vez, o sofrimento de dois povos explorados implacavelmente pela violência do latifúndio: o povo alentejano e o povo nordestino. Devo, por isso, à história de Margarida Alves, ao seu rosto marcado pela rudeza do trabalho na “roça”, um “encontro” mais próximo com os mártires da Caminhada que antes só conhecia em livro. Aqueles mártires que levam a sua Fé e as sua Convicções às últimas consequências, até ficarem tão intimamente identificados com o Sangue do próprio Cristo Libertador.

A segunda mulher que gostaria de trazer à memória chamava-se Francisca de Souza Coelho, mais conhecida por Neném Coelho. Passado pouco tempo de ir viver para Chapadinha, e consequentemente ter ficado a alguns milhares de quilómetros de distância da minha própria mãe, esta minha essência de filho único logo identificou algumas figuras femininas em cujo regaço me passei a refugiar. Uma, de nome Isaura, passou a ser a minha “madrinha”, a outra, a quem carinhosamente passei a tratar por “companheira Neném” tornou-se, no fundo, uma mamãe maranhense. Com ela convivi três anos de aprendizagem intensa. Mulher lutadora, admirei-a nas convicções, apoiei-a nas lutas e a seu lado fui aprendendo a “entrar de cheio” na vida do povo, nos seus anseios e nas suas conquistas. Ao acolher-me tantas vezes na sua casa, tornou-a um “pedacinho do meu lar”, fez do seu filho e filhas meus irmãos, alimentou-me corpo e ideais. Ensinou-me o brilho da estrela com duas letras e mostrou-me a importância de enfiar o dedo do pé no chinelo simples do homem nordestino. A sua morte prematura, naquele fatídico 23 de Outubro de 2005 em que o seu coração a traiu, longe de fazer desvanecer aquela imagem maternal, veio gravar inexoravelmente o testemunho de uma vida, de um Coração grande que jorrou vitalidade, querer e ternura em quantidades tão incomensuráveis que jamais poderei esquecer.

Por fim, quero lembrar uma figura viva, também ela maranhense, igualmente uma nordestina guerreira e lutadora. Mulher de Fé, de Convicções e de Luta. Dela ouvi, e nela reconheci, como se busca “Justiça pra toda a Vida”. Chama-se Helena Barros Heluy e a primeira vez que ouvi o seu nome foi na Manga, a cidade de Nina Rodrigues, nas margens do Rio Munim. Na altura não imaginava o quanto essa Mulher, filha de Barão de Grajaú, viria a influenciar a minha forma de estar e de pensar. Passou algum tempo sem que a conseguisse conhecer. Até que um dia, o destino nos fez coincidir no mesmo espaço. Uma vez mais, outra grande Mulher vai estar entrelaçada nesta história. No caso, fui apresentado à “companheira Helena”através de uma amiga extraordinária, também nascida nas margens do Parnaíba, com lugar cativo no meu coração – Cecília Amin. “Jorginho” assim já me tratava ela, “tu vais ter que conhecer Helena”. E tal aconteceu! Finalmente conheci a companheira Helena e na mesma hora me deixei encantar pela sabedoria dos seus cabelos brancos. Nas suas palavras encontrei sementes que faziam germinar a Igualdade, nos seus passos aprendi a seguir trilhos de Libertação e a sua ação tem-me mostrado como se defende, intransigentemente, toda a forma de Vida.

No final de 2010, Helena Heluy resolveu dar por encerrado o seu percurso como parlamentar. Mas acredito que as forças não lhe irão faltar e por isso sei que os oprimidos, das mulheres aos camponeses, das crianças aos ameríndios e dos quilombolas à Mãe Terra, todos e todas continuarão a ter em Helena uma voz de denúncia profética. E um dia, quando finalmente se escrever a história da Justiça e Paz, não só no Maranhão como em todo o Brasil, se quisermos ser sérios, haveremos de incluir o nome de Helena Barros Heluy num capítulo de destaque. Até lá, vou continuar tentando seguir e apoiar incondicionalmente essa mulher a quem as águas do “Velho Monge” ofereceram Coragem, Determinação e Perseverança.

Termino, não sem antes relembrar esse tripé essencial: Luta, Coração e Vida. Creio que fica claro como em cada uma destas três Mulheres há uma simbiose perfeita entre os pilares desse mesmo tripé. Os seus testemunhos de vida são preciosos para mim e por isso sei que lhes serei eternamente grato.