domingo, 8 de abril de 2012

O meu anel de Tucum

Há quase 18 anos ostento, com um orgulho são, um pequeno anel preto no dedo anelar. Não sei em que dia ele me foi dado, mas sei que é dia de Páscoa 2012 e, por isso, ele hoje está de parabéns: é o seu aniversário.

terça-feira, 8 de março de 2011

Mulheres: Luta, Coração e Vida

Hoje é dia Internacional da Mulher. Poderia partilhar a minha experiência com as três mulheres da minha: mãe, esposa e filha. Porém, não quero correr o risco de personalizar demasiado esta reflexão. E assim, em jeito de homenagem, mas sobretudo de memória, quero lembrar aqui outras três mulheres que são símbolo de um tripé essencial: Luta, Coração e Vida. Com elas vou cruzar mais outros tantos nomes de Mulher que mereceriam, igualmente, ser aqui recordadas. Viajo, para isso, até ao meu lugar no outro lado do Oceano: a nação nordestina.

Com a primeira dessas mulheres, aprendi a frase “É melhor morrer na luta do que morrer de fome”. Não a conheci. Quando estive pela primeira vez no Brasil, já tinha passado mais de uma década sobre a sua morte, melhor dizendo, sobre o seu martírio. Chamava-se Margarida Alves, era nordestina de Alagoa Grande, na Paraíba. A sua história, assim que a ouvi, tocou-me profundamente. Trabalhadora rural, sindicalista, lutava por justiça e pela melhoria de condições de vida dos camponeses. Por essa luta, menosprezada pela ditadura militar, acabou perdendo a vida, assassinada com um tiro, na presença do seu único filho de 10 anos de idade. Corria o ano de 1983.

Imediatamente aquele acontecimento me transportou até ao meu Alentejo natal, onde uma história semelhante tinha ocorrido no tempo da ditadura de Salazar. Foi outra mulher, chamava-se Catarina Eufémia e, trabalhadora rural de Baleizão, tinha sido também morta a tiro, na frente dos seus filhos de tenra idade. A história de Catarina povoava o meu imaginário de infância e ajudou-me a perceber o que era a injustiça, daí que a vida e morte de Margarida Alves me tenha levado a unir, pela primeira vez, o sofrimento de dois povos explorados implacavelmente pela violência do latifúndio: o povo alentejano e o povo nordestino. Devo, por isso, à história de Margarida Alves, ao seu rosto marcado pela rudeza do trabalho na “roça”, um “encontro” mais próximo com os mártires da Caminhada que antes só conhecia em livro. Aqueles mártires que levam a sua Fé e as sua Convicções às últimas consequências, até ficarem tão intimamente identificados com o Sangue do próprio Cristo Libertador.

A segunda mulher que gostaria de trazer à memória chamava-se Francisca de Souza Coelho, mais conhecida por Neném Coelho. Passado pouco tempo de ir viver para Chapadinha, e consequentemente ter ficado a alguns milhares de quilómetros de distância da minha própria mãe, esta minha essência de filho único logo identificou algumas figuras femininas em cujo regaço me passei a refugiar. Uma, de nome Isaura, passou a ser a minha “madrinha”, a outra, a quem carinhosamente passei a tratar por “companheira Neném” tornou-se, no fundo, uma mamãe maranhense. Com ela convivi três anos de aprendizagem intensa. Mulher lutadora, admirei-a nas convicções, apoiei-a nas lutas e a seu lado fui aprendendo a “entrar de cheio” na vida do povo, nos seus anseios e nas suas conquistas. Ao acolher-me tantas vezes na sua casa, tornou-a um “pedacinho do meu lar”, fez do seu filho e filhas meus irmãos, alimentou-me corpo e ideais. Ensinou-me o brilho da estrela com duas letras e mostrou-me a importância de enfiar o dedo do pé no chinelo simples do homem nordestino. A sua morte prematura, naquele fatídico 23 de Outubro de 2005 em que o seu coração a traiu, longe de fazer desvanecer aquela imagem maternal, veio gravar inexoravelmente o testemunho de uma vida, de um Coração grande que jorrou vitalidade, querer e ternura em quantidades tão incomensuráveis que jamais poderei esquecer.

Por fim, quero lembrar uma figura viva, também ela maranhense, igualmente uma nordestina guerreira e lutadora. Mulher de Fé, de Convicções e de Luta. Dela ouvi, e nela reconheci, como se busca “Justiça pra toda a Vida”. Chama-se Helena Barros Heluy e a primeira vez que ouvi o seu nome foi na Manga, a cidade de Nina Rodrigues, nas margens do Rio Munim. Na altura não imaginava o quanto essa Mulher, filha de Barão de Grajaú, viria a influenciar a minha forma de estar e de pensar. Passou algum tempo sem que a conseguisse conhecer. Até que um dia, o destino nos fez coincidir no mesmo espaço. Uma vez mais, outra grande Mulher vai estar entrelaçada nesta história. No caso, fui apresentado à “companheira Helena”através de uma amiga extraordinária, também nascida nas margens do Parnaíba, com lugar cativo no meu coração – Cecília Amin. “Jorginho” assim já me tratava ela, “tu vais ter que conhecer Helena”. E tal aconteceu! Finalmente conheci a companheira Helena e na mesma hora me deixei encantar pela sabedoria dos seus cabelos brancos. Nas suas palavras encontrei sementes que faziam germinar a Igualdade, nos seus passos aprendi a seguir trilhos de Libertação e a sua ação tem-me mostrado como se defende, intransigentemente, toda a forma de Vida.

No final de 2010, Helena Heluy resolveu dar por encerrado o seu percurso como parlamentar. Mas acredito que as forças não lhe irão faltar e por isso sei que os oprimidos, das mulheres aos camponeses, das crianças aos ameríndios e dos quilombolas à Mãe Terra, todos e todas continuarão a ter em Helena uma voz de denúncia profética. E um dia, quando finalmente se escrever a história da Justiça e Paz, não só no Maranhão como em todo o Brasil, se quisermos ser sérios, haveremos de incluir o nome de Helena Barros Heluy num capítulo de destaque. Até lá, vou continuar tentando seguir e apoiar incondicionalmente essa mulher a quem as águas do “Velho Monge” ofereceram Coragem, Determinação e Perseverança.

Termino, não sem antes relembrar esse tripé essencial: Luta, Coração e Vida. Creio que fica claro como em cada uma destas três Mulheres há uma simbiose perfeita entre os pilares desse mesmo tripé. Os seus testemunhos de vida são preciosos para mim e por isso sei que lhes serei eternamente grato.

sábado, 19 de junho de 2010

Levantado do Chão

Neste dia, o mundo irá despedir-se de José Saramago.
Lembro aqui o livro que me iniciou na leitura do escritor Prémio Nobel: Levantado do Chão.
Talvez o ser transtagano me tenha levado a fazer dessa obra o livro de estreia. E já que não há amor como o primeiro, continua sendo o meu preferido entre todas as obras de Saramago.
Alentejano, reconheci em João Mau-Tempo, a sina do camponês, trabalhador de uma terra que o latifúndio impede que lhe possa chamar "sua". Cristão, não consegui deixar de identificar na via-sacra de Germano Vidigal a Via-Crucis do próprio Nazareno. Essa imagem de Cristo, que toma o rosto do torturado, foi determinante na minha militância missionária. Para alguns, talvez seja irónico que a leitura de um ateu tenha contribuido para esse reconhecimento. Para mim, não! Tenho consciência de que é, também, nas provocações dos desassossegados que redescubro a inquietação do Cristo que Liberta...
E sei que não sou o único a beber desse manancial de inconformismo que é o "Levantado do Chão". Lembro, a propósito, Chico Buarque e Mílton Nascimento que, inspirados nesta obra, escreveram uma das mais belas e sentidas músicas de apoio aos Sem-Terra, de título homónimo.

Deixo a sugestão de Leitura e, na sequência, também um link para um texto breve, mas lúcido, da autoria de Leonardo Boff. Vale a pena ler: www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100619/not_imp569005,0.php

domingo, 25 de abril de 2010

O "Cheiro Verde" no Vermelho dos Cravos

Hoje, pela primeira vez em muitos anos, saí à rua, em pleno 25 de Abril, sem um cravo vermelho na lapela. Na verdade, estou descontente com o rumo da Revolução, principalmente nos últimos 25 anos. Tenho pena que se tenham perdido muitas conquistas. É o desencanto por tudo o que Abril abriu e os homens, em especial os políticos da "situação", fecharam.
Porém, só não usei um cravo vermelho hoje, simplesmente, porque já não estou no meu Alentejo e acho que as pessoas aqui pela diáspora já não distribuem cravos vermelhos na rua. Circunstâncias da vida...
Mas hoje queria deixar uma explicação em relação ao "cheiroverde" que figura no endereço deste blog.
Cheiro verde é o nome que se dá, no Nordeste Brasileiro (o meu Alentejo do outro lado do mar), aos coentros. No sul do Brasil, a definição é diferente, mas o certo é que a culinária nordestina é abençoada com a utilização dos coentros. Ora, os alentejanos sabemos como os coentros são importantes na gastronomia transtagana.
Transpondo esse cheiro verde para outras dimensões, assim fui definido num recente quiz político: verde, ecologista. Permito-me lembrar a maior referência do movimento ecologista europeu, Petra Kelly, para clarificar a ideia de "verde": "ser terno e, ao mesmo tempo subversivo: isso é o que significa para mim, a nível político, ser verde e agir como tal". Além do mais, como diz Leonardo Boff "a opção pelos mais pobres é uma questão de ecologia". Assim mesmo, considero que não estou muito distante dessas duas definições, por isso a minha atitude na vida tem sempre um cheirinho a "verde".
Voltando ao 25 de Abril... não tive o meu cravo vermelho para usar ao peito, resta-me a esperança de que, pelo menos na sopinha da noite, haja algum aroma a coentros*.
* esp. cilantro; ing. coriander

terça-feira, 17 de março de 2009

Breve Apontamento. Talvez... Saudade?

Esta noite, sonhei com Chapadinha, terra abençoada de Nª Sª das Dores.
Na Chapada das Mulatas, "Princesinha do Baixo Parnaíba Maranhense", começa o Nordeste. Para trás fica a Amazónia. Agora, por entre os campos do cerrado, floreados de bacuri e caju, e o verde dos cocais, rendilhados de babaçu e carnaúbas, ecoa o grito do vaqueiro. Daqui para diante, o Velho Monge anuncia o sertão, onde impera o juazeiro e o mandacaru.
Só conheceu, verdadeiramente, a felicidade quem já saboreou uma rapadura, num entardecer junino chapadinhense. Aliás, a vida pára agradavelmente em cada finalzinho de tarde, quando o calor dá tréguas e o Sol ilumina os pensamentos. E esse, é apenas um dos incontáveis encantos de Chapadinha...

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Alentejanidade(s)

A Alentejanidade é a característica de se ser/sentir Alentejano. Mas Alentejanidade rima com Imensidade... por isso, Alentejanidade pode (e deve) ser entendida no Plural.

Alentejano sou, por nascimento, porém a Alentejanidade encontrei-a em muitos lugares do mundo: na Planície Alentejana, dos barros de Beja aos de Nisa, da raia extremeña até às margens do Vale do Guadiana - o grande rio do Sul; nos sertões e cerrados nordestinos, banhados pelo Rio Parnaíba - o Velho Monge; até mesmo na insularidade do Maio, a ilha esquecida de Cabo Verde...

E, claro, a Alentejanidade reconhecia-a em tantos utópicos, resistentes e sonhadores que a imaginação me permite juntar: os que seguiram, conscientes, o Mestre do Amor - Pedro Casaldáliga, Leonardo Boff, Oscar Romero, João XXIII, Simone Weil, Helder Câmara, Paulo Arns e, na radicalidade, Camilo Torres; os transtaganos Manuel da Fonseca, Catarina Eufémia e Salgueiro Maia; e outros na Pátria Grande - lugar do Outro Mundo Possível, que vão de Maria de Lourdes Pintasilgo a Kónis Santana e Alípio de Freitas, passando por Ghandi, Mandela, Zeca Afonso, João do Vale, Chico Mendes, Paulo Freire, Jorge Sampaio, Manuel Lopes, Allende, Bandeira Tribuzi, Maria Aragão, Manuel Serra, Carlos Brito, Frei Betto, Frère Roger ou Chico Whitaker...

Alentejanidade(s) transforma(m) o mundo, como aconteceu quando o povo tomou em suas mãos o seu destino: no Monte da Comuna, do alentejano Vale de Santiago, na Madrugada de Abril, da Revolução dos Cravos, no inconformismo nordestino do Negro Cosme na Balaiada do Maranhão, na Revolta de Mandu Ladino do Piauí, nas Madres de la Plaza de Mayo, na Revolta de Chiapas, ou nos gritos reprimidos dos católicos no Domingo Sangrento (Irlanda), dos saharauis em Tifariti (Sahara Ocidental), do povo Maubere no Cemitério de Santa Cruz (Timor-Leste) ou dos Sem-Terra em Eldorado dos Carajás (Brasil)....

... e tantos outros gritos silenciados que, finalmente, se tornaram mais audíveis quando tantas vozes se juntaram, em Porto Alegre, no Fórum Social Mundial!

A tudo isto, em Liberdade, cada um poderá dar-lhe o nome que quiser.

Por mim, prefiro chamar-lhe Expressões de Alentejanidade(s).